O Primeiro Preconceito: Notas sobre a origem da xenofobia
Ontem, a DW publicou uma reportagem sobre a xenofobia que brasileiros têm sofrido em Portugal. Não é exatamente uma novidade. Mas tampouco é banal. Cada episódio desses reacende algo antigo, mais antigo que as fronteiras, que as línguas, que os passaportes: o medo do outro.
Antes mesmo de inventarmos o conceito de “raça”, talvez já existisse o estrangeiro. O forasteiro. Aquele que fala diferente, se veste diferente, age diferente. E essa diferença, por mais superficial que seja, muitas vezes basta para acender o sinal de alerta.
Porque, antes do racismo, veio a xenofobia.
Antes do preconceito com o que o outro é, veio o incômodo com o fato de que ele não é como nós.
Há quem diga que o preconceito é aprendido. Mas talvez ele também seja herdado — como impulso, não como valor. Nossos antepassados precisavam identificar rapidamente quem era parte do grupo e quem vinha de fora. O estranho podia significar perigo. O instinto de proteção comunitária, que fazia sentido em tempos de escassez e guerra, sobrevive até hoje. Só que agora, ele se disfarça de argumento. De piada. De política de fronteira.
A psicologia social chama isso de ingroup/outgroup bias: o viés de favorecer quem é do grupo e desconfiar de quem está fora dele. Não precisa haver lógica. Basta haver um “nós” e um “eles”. É a semente do tribalismo — e o solo fértil de todos os preconceitos futuros.
Curiosamente, há culturas em que o estrangeiro é tratado como hóspede sagrado. Recebido com honra, respeito, pão fresco na mesa. Mas mesmo esse gesto de hospitalidade precisa ser ritualizado, protegido por códigos. Como se o acolhimento exigisse sempre uma moldura. Um aviso de que o diferente será, temporariamente, aceito.
A própria palavra “hóspede” vem de uma raiz ambígua. Hospes, em latim, está relacionada a hostis. O amigo e o inimigo moram na mesma sílaba. O outro sempre foi um desafio. Um corpo deslocado entre a recepção e a rejeição.
A xenofobia contra brasileiros em Portugal, por exemplo, mistura camadas distintas: ressentimentos coloniais não resolvidos, desprezo cultural, racismo velado, medo econômico. Somos vistos como a ex-colônia barulhenta que voltou para ocupar os espaços da metrópole. Não é à toa que alguns portugueses reagem como se estivessem sendo invadidos — por gente que fala como eles, mas cuja presença parece romper alguma hierarquia silenciosa.
Talvez a história do preconceito humano comece aqui: na recusa do outro como parte do mundo.
Antes da misoginia, antes do racismo, antes da homofobia — havia a xenofobia.
O medo do que não é familiar. A rejeição de tudo que se recusa a caber no contorno do grupo.
Mas se o preconceito nasce da delimitação do “nós”, talvez a superação dele passe pela expansão desse limite. Talvez seja preciso aprender a conviver com o desconforto da diferença. Não como ameaça, mas como parte do real.
No fim, toda xenofobia é uma tentativa fracassada de organizar o mundo em compartimentos.
E todo estrangeiro carrega, sem querer, a lembrança incômoda de que nenhum grupo é dono do território humano.
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