Trump vs. Harvard: a guerra contra o saber
A nova investida de Donald Trump contra Harvard — com ameaças de cortes, acusações de doutrinação ideológica e discursos inflamados contra as universidades — está longe de ser apenas uma bravata eleitoreira. Ela revela um padrão que se repete em várias partes do mundo: a hostilidade sistemática da extrema direita às instituições de conhecimento.
O ataque não é pontual, nem meramente retórico. É parte de uma estratégia ampla de deslegitimação da cultura letrada, do pensamento complexo e de toda forma de autoridade que não emane diretamente da vontade populista. Universidades como Harvard — e suas equivalentes em outros países — tornam-se alvos preferenciais não por suas falhas específicas, mas porque encarnam uma ideia incômoda: a de que o saber exige distância, disciplina, método, e que nem tudo pode ser resolvido na base da intuição ou da opinião pessoal.
No populismo contemporâneo, o conhecimento vira inimigo porque opera como um obstáculo. Ele desacelera, relativiza, questiona. Ele exige escuta, revisão, mediação. Para um projeto político baseado na performance e na simplificação, pensar com cuidado é um problema — e ensinar a pensar, uma ameaça direta. Por isso, o embate com Harvard é menos uma disputa por verbas ou políticas públicas, e mais um gesto de guerra simbólica: atacar o saber como forma de afirmar a força bruta da crença.
O anti-intelectualismo como estratégia política
Não se trata apenas de desconfiança. Trata-se de uma estratégia. A academia, com sua linguagem técnica, seu compromisso com a evidência e sua tradição de pensamento crítico, representa tudo aquilo que o populismo anti-intelectual combate: a mediação, a dúvida, a nuance.
Trump não ataca Harvard por acaso. Ele sabe exatamente o que ela simboliza: um bastião das elites educadas, do pensamento ilustrado, da racionalidade institucional. Criticar Harvard é encenar um gesto de poder — é colocar-se acima da instituição, zombar de sua autoridade, desacreditar a própria ideia de saber legitimado por critérios objetivos. Ao fazer isso, ele não precisa oferecer alternativa — basta corroer a confiança no que existe.
A extrema direita compreendeu que a melhor maneira de consolidar o seu domínio simbólico não é apresentar um projeto de mundo mais razoável, mas sim sabotar os instrumentos que permitem comparar projetos de forma razoável. É por isso que ela se volta contra universidades, contra cientistas, contra jornalistas, contra qualquer espaço onde a realidade possa ser interpretada com algum grau de rigor. O objetivo não é disputar a verdade — é tornar a verdade irrelevante.
Sim, há excessos — mas eles não justificam o autoritarismo
É importante reconhecer que as universidades não são espaços neutros. Elas também são campos de disputa simbólica, ideológica e cultural. E sim, há correntes teóricas — especialmente em certos nichos identitários — que beiram o delírio conceitual, transformando categorias analíticas em dogmas morais, dissolvendo a complexidade em binarismos e adotando posturas que lembram mais tribunais do que salas de aula.
A crítica à chamada “agenda woke” — quando feita com seriedade — não é um delírio paranoico. Há casos reais de cancelamento, censura interna, ortodoxias travestidas de pensamento crítico. Em nome da inclusão, por vezes se exclui o dissenso. Em nome da escuta, se proíbe a pergunta. Isso existe, e deve ser debatido com honestidade.
Mas nada disso justifica a ofensiva autoritária promovida por figuras como Trump. A existência de excessos não legitima a destruição das instituições. O caminho não é o desmonte, mas o debate. Não é a perseguição, mas o aprimoramento.
A resposta da extrema direita não é um corretivo — é um ataque oportunista. Ela não quer corrigir os desvios da universidade, mas sim apagar sua função crítica por completo. O populismo não deseja que a academia pense melhor — deseja que ela pare de pensar.
Harvard resiste — e o saber pode voltar a ocupar as ruas
Alguns analistas apontam que o movimento de Trump contra Harvard pode ter efeitos colaterais indesejados — para ele. Ao tentar intimidar uma das instituições mais prestigiadas do mundo, o presidente talvez esteja, inadvertidamente, reunificando o ambiente acadêmico em torno de uma pauta comum: a defesa da liberdade intelectual e da autonomia universitária.
A recusa de Harvard em se curvar diante do populismo pode funcionar como um gesto inaugural. Um sinal de que a academia não precisa mais se encolher. E que talvez estejamos à beira de uma reconfiguração simbólica mais ampla, onde outras instituições se sintam legitimadas a fazer o mesmo: resistir, dizer não, defender o saber como bem público.
Até poderíamos nos arrisca a dizer que isso poderia anunciar um novo Maio de 68. Claro, não se trata de uma equivalência direta — o contexto é outro, o espírito de época também. Em 1968, a rebelião era contra a autoridade conservadora institucional. Hoje, o risco é o inverso: a destruição deliberada de qualquer autoridade que não possa ser domesticada.
Mas ainda assim, há um ponto de contato: a ideia de que pensar pode ser um ato de resistência. E de que o saber, mesmo acuado, pode voltar a ocupar o espaço público — não apenas por meio de petições e artigos, mas talvez, se houver fôlego, nas ruas.
Resta saber se a sociedade civil e a comunidade estudantil ainda guardam em si a memória da mobilização coletiva. Se ainda são capazes de transformar a defesa da razão em causa comum.
Porque se não for agora — talvez não seja mais.
Só pensamento.
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Eu tenho muito orgulho de ser nordestina de fazer parte dessa região tao Rica, porque se não fosse por nos Nordestinos, O Brasil estaria nesse caminho. Vivs a democracia!
ResponderExcluirÓtima análise, Henry! Você foi cirúrgico no embate que se dá entre o saber versus o poder perpetrado pela extrema direita. Quanto ao final do texto, não creio que que a sociedade civil hoje "compre" uma briga iniciada pela comunidade estudantil, justamente por causa do identitarismo engendrado no seio de várias universidades que, além de não refletir ao menos uma parte considerável do pensamento coletivo, se distância dele.
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